sexta-feira, 27 de maio de 2011

Do conceito de Justa Causa e da sua concretização


O conceito “justa causa” é um conceito de direito, uma cláusula geral ou “conceito indeterminado”. A utilização deste conceito não é privativa do direito do trabalho, uma vez que este é também utilizado no Direito Civil com alguma frequência, como condicionante do exercicio por uma das partes do poder de fazer cessar um contrato obrigacional, quer por denúncia, quer por resolução[1]. Segundo o Professor Baptista Machado, justa causa é “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim (...)”[2]. Deste modo, outro conceito, o conceito de boa fé, assume uma posição instrumental quanto ao de justa causa[3]. Poder-se-á dizer que a existência ou não da boa-fé - como princípio geral do cumprimento das obrigações -  proporciona ao intérprete uma referência muito útil para se aferir da verificação ou não da justa causa, que constitui a parte não adimplente no direito de se desvincular do contrato.  A boa fé[4] é entendida no sentido ético. Conforme definiu o Supremo Tribunal de Justiça, (...) agir de boa fé é agir com diligência, zelo e lealdade correspondente aos legítimos interesses da contraparte, é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar [5]. Num esforço para definir o resultado simétrico, o mesmo alto Tribunal, num dos seus arestos, contribuiu para a compreensão do que é uma actuação contrária à boa fé, perfilhando a definição doutrinária da autoria de Paulo Mota Pinto e de António Pinto Monteiro[6], segundo os quais, Comporta-se contra a boa fé quem não se comporta como se pode esperar, segundo o sentido do contrato, de um contraente que pense com lealdade; não é preciso que o contraente vise dolosamente a verificação da condição; basta que o seu comportamento, de uma forma reconhecível para ele, não corresponda ao que a outra parte, segundo a boa fé, tem legitimidade para esperar dele”[7]. Tudo isto reforça, em nosso entender, o quanto a lei, a bem da segurança no comércio jurídico, estima a previsibilidade da conduta da contraparte nos contratos. A previsibilidade dos resultados no domínio contratual lubrifica o funcionamento da economia, fertilizando a confiança tão cara às relações humanas.
Destarte, o fundamento de facto do qual emerge a justa causa infligiu um golpe fatal no vinculo contratual, impossibilitando assim a manutenção do mesmo. O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que justa causa é “todo o facto, subjectivo ou objectivo, que ponha em crise a continuação do vínculo contratual”[8].
No âmbito laboral, o princípio da boa fé, foi especificamente previsto no art.º 126.º, do CT2009[9]. Neste mesmo campo específico, o conceito de justa causa, enquanto condicionante do despedimento, recebeu do legislador um tratamento muito apurado. Ora,  mercê da importância do conceito de justa causa, o despedimento – enquanto declaração de resolução do contrato de trabalho e magna preocupação dos jus-laboralistas – é sempre vinculado (art.º 53.º, da CRP) e, como tal, tem que se fundar, invariavelmente, numa situação subordinada e subsumível ao citado conceito. Assim, o conceito indeterminado de justa causa assimila na sua essência, um vector político e um juízo moral àcerca da cessação do vínculo laboral.
De acordo com o ensinamento de Karl Larenz[10], a interpretação de uma norma tem de tomar em consideração a cadeia de significado, o contexto e a sede sistemática da norma, considerando que o ordenamento jurídico no seu todo, ou pelo menos grande parte dele, está subordinado a determinadas ideias jurídicas directivas, princípios ou pautas de valoração.
Pese embora a orientação temática do presente trabalho, a imposição constitucional de justa causa não se limita ao chamado despedimento por facto (ilícito) imputável ao trabalhador – a justa causa subjectiva. Com efeito, existe uma divisão bipartida dos fundamentos que presidem às diversas modalidades de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador – relacionada com a conduta culposa (ilicita) do trabalhador ou com circunstâncias relacionadas com a empresa que impedem a prossecução da relação laboral -, determina, respectivamente, a existência de uma justa causa subjectiva e de uma justa causa objectiva. A decisão judicial em análise aprecia a validade da decisão de despedimento por justa causa promovido pelo empregador, fundada numa conduta culposa (ilícita) do trabalhador. Diz respeito, portanto, ao conceito de justa causa na perspectiva subjectiva.
Ora, a justa causa subjectiva tal como vem consagrado no art.º 351.º, n.º 1, do CT2009, revela uma particular exigência do legislador laboral para que se verifique, a concretização do conceito e, consequentemente, para que o despedimento disciplinar do trabalhador seja válido. Atente-se na complexidade do conceito e na aglutinação de diversos sub-conceitos:

“Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”

 Com efeito, para que ocorra a concretização da justa causa, ter-se-á que, cumulativamente, verificar os seguintes requisitos: um comportamento culposo do trabalhador[11], violador dos deveres de conduta ou valores inerentes à disciplina laboral, que seja grave em si mesmo e nas suas consequências; um nexo de causalidade entre esse comportamento e a impossibilidade da subsistência da relação laboral[12].
O comportamento culposo pressupõe um acto ilícito e censurável do trabalhador. Esse acto ilícito pode assentar em acção ou omissão do trabalhador, representando a violação de deveres legais e obrigacionais[13].
Na ponderação da gravidade do comportamento do trabalhador deve atender-se ao entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto[14].
A expressão impossibilidade prática e imediata da subsistência do vínculo[15], segundo alguma jurisprudência recente do Supremo Tribunal de Justiça[16], convoca os seguintes pressupostos: a impossibilidade de subsistência do vínculo deve ser reconduzida à ideia de “inexigibilidade[17] da sua manutenção; a exigência de uma “impossibilidade prática”, com necessária referência ao vínculo laboral em concreto; e “imediata”, no sentido de comprometer, desde logo e sem mais, o futuro do contrato. Aquele alto Tribunal, para integrar este elemento cita o Professor Lobo Xavier, esclarecendo que torna-se necessário fazer um prognóstico sobre a viabilidade da relação contratual, no sentido de saber se ela contém, ou não, a aptidão e a idoneidade para prosseguir a função típica que lhe está cometida (cfr. Lobo Xavier in “Curso de Direito do Trabalho”, páginas 490 e segs.).
Ora, tem constituido jurisprudência maioritária, mormente no STJ[18], que no âmbito dos referidos juízes de prognose, deve ser enfatizado o papel da confiança nas relações de trabalho salientando-se a sua forte componente fiduciária para se concluir que a confiança contratual é particularmente afectada quando se belisca o dever de leal colaboração, cuja observância é fundamental para o correcto implemento dos fins prático-económicos a que o contrato se subordina. Neste contexto, salienta Baptista Machado que “... o núcleo mais importante de violações do contrato, capazes de fornecer justa causa à resolução, é constituído por violações do princípio da leal colaboração, imposto pelo ditame da boa fé. Em termos gerais, diga-se que se trata de uma quebra da “fider” ou da “base de confiança” do contrato ...” (in R.L.J. 118.º, 330 e segs.[19]). O Supremo contribuiu ainda mais para o esclarecimento da concretização do conceito de justa causa acrescentando que a avaliação da extensão do dano infligido na confiança deverá ser subordinada a critérios de objectividade e de razoabilidade, segundo a bitola do empregador médio e razoável, de molde a concluir-se que a impossibilidade de manutenção do vínculo laboral só se atingirá se, objectivamente, a imposição de subsistência de tal vínculo representasse algo de insuportável e injusto para o empregador, não se postando, assim, outras medidas de carácter conservatório adequadas que actuassem, quer na mais simplista forma de actuação sancionadora da conduta do infractor, quer como forma de prevenção do seu comportamento futuro[20].
De referir, que a essencialidade da confiança para a manutenção do vínculo advém do facto de o contrato de trabalho ser um negócio jurídico intuitu personae[21], em que a confiança recíproca das partes tem um relevo fundamental sobretudo para suportar a execução continuada e, por regra, sem termo[22].
Por último, a lei exige ainda que se verifique um nexo de causalidade entre o comportamento ilícito, grave e culposo do trabalhador e a impossibilidade prática e imediata de subsistência do contrato de trabalho.
No n.º 2, do 351.º, o legislador exemplifica uma série de comportamentos do trabalhador (doze) que com alguma probabilidade indiciam a existência de justa causa de resolução. No entanto, não dispensam o julgamento perante a cláusula geral de justa causa do n.º 1[23].
Na tarefa de concretização da justa causa, conforme se verificou, primeiro, a lei estabelece a cláusula geral de justa causa para despedimento e, em segundo lugar, enuncia as situações tipicas de justa causa. Por fim, a lei ocupa-se no n.º 3 do citado art.º 351.º, com o modo de apreciação da conduta do trabalhador, que configura a situação de justa causa. Para tanto, o preceito legal, manda atender no contexto concreto da empresa ao grau de lesão dos interesses do empregador que resulte do comportamento do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que sejam relevantes no caso.
Conforme já tinha sido adiantado, a determinação em concreto da justa causa resolve-se pela ponderação de todos os interesses em presença, face à situação de facto que a gerou. Há justa causa quando, ponderados esses interesses e as circunstâncias do caso que se mostrem relevantes — intensidade da culpa, gravidade e consequências do comportamento, grau de lesão dos interesses do empregador, carácter das relações entre as partes —, se conclua pela premência da desvinculação. Por conseguinte, o conceito de justa causa liga-se à inviabilidade do vínculo contratual, e corresponde a uma crise contratual extrema e irreversível[24].



[1] A necessidade de “justa causa” está presente, v.g., no caso da necessidade de revogação da procuração conferida no interesse do procurador (art.º 265.º, n.º 3, do CC); na revogação do contrato de mandato por parte do mandatário (art.º 1170.º, n.º 2, do CC); no caso de prestação de serviços do administrador de sociedades de responsabilidade limitada em que a justa causa é requisito  para operar a resolução do vínculo antes do respectivo termo (igualmente por força do art.º 1170.º, n.º 2, do CC); no caso de destituição e de substituição do administrador de insolvência (art.º 56.º, n.º 1, do CIRE); no caso da resolução do contrato de agência ou de concessão (art.º 30.º, do Decreto-Lei 178/86, de 30-07)
[2] Baptista Machado, Pressupostos da Resolução por incumprimento, 1979, pág. 21.
[3] O conceito enquanto ideia ou noção, representação geral e abstracta de uma realidade; entendido também como unidade semântica ou unidade de conhecimento, expressão de um predicado comum.
[4] A boa fé traduz-se na actuação ética dos indivíduos, com lealdade, probidade, com respeito pelos direitos e pelas legítimas expectativas da contraparte. A boa fé há-de ser entendida num sentido ético (Acórdão TRL, de 11-07-1996, Proc. 0013051, in www.dgsi.pt/jtrl); A boa fé contratual consiste, em geral, no comportamento honesto e consciencioso, na lealdade  de se conduzir, com um sentido vincadamente ético (Acórdão TRL, de 16-05-1991, Proc. 0028206, in www.dgsi.pt/jtrl);
[5] Acórdão STJ, de 10/12/1991, in BMJ 412/415.
[6] Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição, pág. 572.
[7] Acórdão STJ, de 13/04/2011, Proc. 1421/06.0TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt/jtrl.
[8] Cfr. Acórdãos STJ de 18/6/1996 (Proc. 219/96) em Col. Jur., 1996, tomo II, pp. 151 e de 18-03-2003 (Proc. 03A2095), em www.dgsi.pt/jstj
[9] A este propósito, o Professor Pedro Romano Martinez, ensina que “O contrato de trabalho assenta numa relação fiduciária, em que a confiança recíproca tem um papel de relevo. A boa fé, estabelecida no art.º 126 do CT2009, pressupõe o carácter fiduciário da relação contratual; dificilmente se concebe a realização das prestações de boa fé se as partes não confiarem uma na outra. O empregador pretende certas qualidades de trabalho, de honestidade, etc., e o trabalhador espera, entre outros aspectos, um tratamento condigno e o pagamento atempado do salário”.
Importa ainda salientar que é do princípio geral de boa fé que provêm os deveres acessórios de conduta.             
[10] Karl Larenz, “Metodologia da ciência do direito”, pág. 531
[11] A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a este propósito, explica que o comportamento culposo do trabalhador deve corresponder  a uma situação de dolo  ou de mera negligência, devendo o julgador socorrer-se do critério do bom pai de família (no mesmo sentido o Professor Menezes Cordeiro, em Manual de direito do trabalho, cit. 821), temperado à luz do perfil laboral específico de um determinado trabalhador.
[12] Acórdão STJ, de 15/09/2010 (Proc. 254/07.1TTVLG.P1.S1), em www.dgsi.pt/jstj.

[13] A propósito deste tema, o Professor Pedro Romano Martinez, elucida que a exercício da actividade é o dever principal do trabalhador e os deveres secundários relacionam-se com a prestação dessa actividade, cujo elenco se encontra no art.º 128.º, n.º 1, do CT2009. Para além destes, numa relação laboral, encontram-se ainda deveres acessórios de conduta, que advêm do princípio geral de boa fé (“Direito do Trabalho”, pág. 519).

[14] Acórdão STJ, de 02/12/2010 (Proc. 637/08.0TTBRG.P1.S1), em www.dgsi.pt/jstj.
[15] A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, explica que, para além dos elementos subjectivos, há ainda a necessidade de verificação de mais um requisito, pelo que, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral – é o denominado requisito objectivo da justa causa – Direito do Trabalho – Parte II – Situações laborais individuais, Pág. 902.
[16] Acórdão STJ, de 02/12/2010 (Proc. 637/08.0TTBRG.P1.S1), em www.dgsi.pt/jstj.
[17] Segundo Monteiro Fernandes (in “Direito do Trabalho”, 12.ª edição, páginas 557 e segs.), a “inexigibilidade” determina-se mediante um balanço, em concreto, dos interesses em presença – fundamentalmente, o da urgência na desvinculação e o da conservação do vínculo – havendo “impossibilidade prática de subsistência da relação laboral” sempre que a continuidade do contrato represente (objectivamente) uma insuportável e injusta imposição ao empregador, isto é, sempre que a subsistência do vínculo e das relações que ele supõe sejam “... de molde a ferir, de modo desmesurado e violento, a sensibilidade e a liberdade de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador” – Ac. STJ, de 22/09/2010 (Proc. 217/2002.L1.S1), em www.dgsi.pt/jstj.
[18] Acórdão STJ, de 13/10/2010 (Proc. 142/06.9TTLRS.L1.S1), em www.dgsi.pt/jstj, citando acórdão do STJ de 8.10.08, igualmente disponível em www.dgsi.pt: “no que concerne à averiguação da impossibilidade, prática e imediata, da subsistência da relação de trabalho, é sabido que ela se alcança quando, em consequência da actuação do trabalhador, se crie uma situação de absoluta quebra, por parte da entidade empregadora, da confiança que deve iluminar aquela relação, de sorte a criar em tal entidade um estado de espírito de acordo com o qual a futura conduta do trabalhador, plausivelmente, não se irá desenvolver sobre a regência das características de idoneidade e probidade que devem pautar a dita relação, sendo que essa quebra de confiança deve surgir por forma a comprometer, desde logo e sem mais, a manutenção do negócio laboral estabelecido.
[19] Acórdão STJ, de 22/09/2010 (Proc. 217/2002.L1.S1), em www.dgsi.pt/jstj.   
[20] Acórdão STJ, de 13/10/2010 (Proc. 142/06.9TTLRS.L1.S1), em www.dgsi.pt/jstj,

[21] O intuitus personae está desde logo ligado à própria génese do contrato de trabalho, através do processo de recrutamento do trabalhador pela entidade patronal. De um universo, mais ou menos vasto, de candidatos a um determinado posto de trabalho é seleccionado um indivíduo de entre os demais. E é seleccionado precisamente em função das suas características específicas (personalidade, formação, etc.) que o diferenciam dos demais e fundamentam a criação de um laço fiduciário entre ele e o empregador. Ora é o carácter intuitu personae do negócio jurídico laboral que obsta a que o trabalhador se faça substituir por outro – a infungibilidade da prestação não permite a substituição.

[22] Neste sentido, Acórdão STJ, de 13/01/2010 (Proc. 2227/03.0TTPRT.S1), em www.dgsi.pt/jstj,
[23] Neste sentido, a Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, em Direito do Trabalho, Parte II – situações laborais individuais, pág. 914.
[24] Acórdão STJ, de 19/01/2011 (Proc. 557/06.2TTPRT.P1.S1), em www.dgsi.pt/jstj,

domingo, 1 de maio de 2011

Da flexibilização do vínculo laboral


Perante a pergunta se a flexibilização do despedimento irá contribuir para a melhoria da nossa economia, não tenho outra resposta que não seja um convicto não.

Claro está que muitos existem que encontram nos comportamentos dos manhosos trabalhadores portugueses a chave dos problemas de produtividade e uma das razões para o estado a que a nossa economia chegou. A afirmação é absurda. Ora, é precisamente a classe trabalhadora que se prepara para suportar nos seus já cansados ombros o de compensar os bancos portugueses pelo desaparecimento de alguns dos seus mais proveitosos negócios ligados à especulação imobiliária, o peso da necessidade emergente de suportar os custos da manutenção do Estado social (ou o que dele resta) e o peso da manutenção dos seus estilos de vida e das suas famílias.
Não quero com isto afirmar que o regime de despedimento do trabalhador (despedimento individual promovido pelo empregador) seja inatacável ou isento de reparos. Contudo, sabendo-se que o ânimo político do legislador para rever um regime legal é fundamental para a determinação da extensão e da qualidade da operação legislativa, não nos parece que esta falaciosa razão económico-financeira ultra-liberal que reclama a flexibilização da resolução do contrato de trabalho pelo empregador possa produzir resultados satisfatórios (para todas as partes) na alteração da lei laboral.

Na verdade, se uma das funções da retribuição do trabalho é a redistribuição da riqueza pelos trabalhadores e, consequentemente, permitir que estes possam continuar a consumir os bens que as suas empresas produzem, fácil se torna compreender que os detentores do capital necessitam da manutenção deste vínculo simbiótico, para promover também a sua própria sobrevivência. Neste caso, perante a evidência do modo como se relacionam os empregadores e os trabalhadores neste ciclo fechado, permite-nos constatar o paradoxo de que ao se proclamar a defesa da manutenção de uma visão garantística quanto ao vínculo jurídico que une pelo contrato de trabalho os trabalhadores aos empregadores, é precisamente pôr em prática a maior e a mais acerrada defesa do sistema capitalista e a apologia da sua subsistência. Consequentemente, a eliminação gradual da qualidade e do vigor do vínculo entre o trabalhador e o empregador deverá abrir um vasto campo de análise e de debate, tomando por referência uma visão abrangente, a longo prazo e que estime as consequências reais do enfraquecimento do direito laboral na sobrevivência da própria comunidade. 

Porém, a relação laboral não pode ser artificialmente mantida, pelo que, a sua precariedade (utilizando o cliché de alguns sectores políticos), longe de revestir uma forma patológica de contrato de trabalho é apenas a manifestação da natureza das relações económicas que o justificam. Com efeito, tudo o que existe é composto da qualidade de precário ou de efémero, o que, nessa medida, é de inteira justiça que o mesmo se manifeste numa relação jurídica laboral, posto que se limita a concordar com a ordem natural do universo.
Todavia, do mesmo modo que se devem afastar as perpetuações artificiais dos vínculos laborais, também se devem repudiar os encurtamentos dos mesmos em obediência à mera ganância de vista curta dos intitulados neo-liberais.