sexta-feira, 4 de março de 2011

Prática do Direito - Como vão decidindo os tribunais superiores (4)

O Caso da empregada doméstica que foi despedida por SMS




I - No contrato de trabalho de serviço doméstico, o despedimento promovido pelo empregador não está sujeito ao cumprimento da formalidade de instauração de prévio procedimento disciplinar.
II - No entanto, ocorrendo justa causa – quer esta seja indicada pelo empregador, quer seja invocada pelo trabalhador – devem ser referidos, por escrito, os factos e circunstâncias que fundamentam a rescisão ou o despedimento.
III - A redução a escrito dos motivos que integram a justa causa constitui uma formalidade ad substantiam.
IV - Não satisfaz tal exigência de formalidade a mensagem escrita enviada para telemóvel.

Este acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-02-2011, vem esclarecer que uma mensagem de telemóvel, vulgarmente conhecida por SMS, não é um meio adequado para que o Empregador comunique à trabalhadora uma decisão de despedimento válida, isto é, devidamente circunstanciada e fundamentada.

Confesso que tenho constatado que esta prática está a tornar-se num (mau) costume que não se confina ao serviço doméstico. Na verdade, é transversal a todos os contratos de trabalho e nos mais diversos sectores de actividade.

Acrescento a este Acórdão os esclarecimentos prestados por um outro aresto, proveniente do Tribunal Constitucional (Acórdão 15/06), através do qual é abordado de um modo muito completo e abrangente a questão do despedimento, enquanto negócio jurídico unilateral receptício. 

Na verdade, o despedimento constitui estruturalmente um negócio jurídico unilateral receptício, através do qual a entidade patronal revela a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho, estando o despedimento individual regulamentado nos arts. 9º e ss. do D.L. nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro.
A declaração negocial extintiva da entidade patronal pode ser expressa, quando realizada directamente através de palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de comunicação, conforme dispõe o art. 217º do C.Civil.
Estabelece ainda a lei civil a possibilidade de a declaração negocial ser meramente tácita, ou seja, a possibilidade de se considerar como válida uma declaração negocial que se deduza de factos que "com toda a probabilidade” a revelem (cfr. o art. 217º do C.Civil).
No domínio do despedimento promovido pela entidade patronal, tem a jurisprudência entendido que a vontade de pôr termo ao contrato há-de ser "inequívoca”, razão por que se não tem admitido o despedimento tácito com a amplitude que é conferida à declaração negocial tácita pelo art. 217º, aceitando-se apenas os chamados "despedimentos de facto” quando há uma atitude inequívoca da entidade patronal que configura a manifestação da vontade de fazer cessar a relação laboral e assim é entendida pelo trabalhador ao abrigo do nº 1 do art. 236º do C.Civil, preceito que dispõe valer a declaração negocial com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante.
O despedimento de facto tem assim que ser expresso ou extraído de factos que, inequivocamente, revelam a vontade da entidade patronal de fazer cessar o contrato (art. 217º citado) perante o homem normal (art. 236º citado) e, para ser eficaz, tem de ser levado ao alcance da outra parte em condições de esta poder tomar conhecimento da respectiva declaração de vontade (art. 224º do C.Civil).

quarta-feira, 2 de março de 2011

Prática do Direito - Como vão decidindo os tribunais superiores (3)

Requisitos para o exercício da actividade de Empresário Desportivo






Por via da aplicação da lei geral ou da específica regulamentação de tal actividade, deve concluir-se pela invalidade, e consequente inexistência das obrigações dele emergentes, de acordo tendo por objecto prestação de serviços relativos à negociação de contratos desportivos, celebrado por quem se não mostre habilitado a exercer a actividade de empresário desportivo.
(Sumário do Relator)




Em tal matéria, rege a Lei 28/98, de 26/6 (regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva) - em cujo art. 2º d) se define, como empresário desportivo, a pessoa singular ou colectiva que, estando devidamente credenciada, exerça a actividade de representação ou intermediação, ocasional ou permanente, mediante remuneração, na celebração de contratos desportivos.
Sendo que, por força do art. 22º, nº 1, do citado diploma, só podem exercer actividade de empresário desportivo as pessoas singulares ou colectivas devidamente autorizadas pelas entidades desportivas, nacionais ou internacionais, competentes.

Tendo-se por inexistentes, nos termos do nº4 do respectivo art. 23º, os contratos celebrados com empresários desportivos que se não encontrem inscritos no respectivo registo, bem como as cláusulas contratuais que prevejam remuneração pela prestação dos seus serviços.
Em conformidade, e como se decidiu em acórdão do STJ, de 23/4/2002 (in www.dgsi.pt - SJ200204230008441), deve ser considerado nulo “o contrato em que um jogador profissional confia a empresário desportivo, não inscrito no respectivo registo, com carácter de exclusividade, a gestão e a orientação da sua carreira”.

Comina o art. 294º do Código Civil, de nulidade, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei, os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo. Por via da aplicação da lei geral ou da específica regulamentação da referida actividade, se imporia, assim, concluir, ao invés do decidido, pela invalidade do clausulado em análise e consequente inexistência das obrigações do mesmo emergentes.



Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-04-2002, Processo 02A844, www.dgsi.pt
I - O direito à escolha de profissão não pressupõe o acesso indiscriminado e absoluto a que se elegem.
II - A Lei que não veda a escolha da actividade de empresário desportivo mas apenas regulamenta o seu exercício não põe em crise o direito ao trabalho.
III - É nulo, o contrato em que um jogador profissional confia a empresário desportivo, não inscrito no respectivo registo, com carácter de exclusividade, a gestão e a orientação da sua carreira.

O acesso à profissão de empresário desportivo, por muito apetecível que, em teoria seja, tem o seu acesso subordinado a um conjunto de regras constantes da Lei n.º 28/2008.