domingo, 9 de outubro de 2011

Uma armadilha processual laboral - Da arguição de nulidades da sentença em processo do trabalho, cuja disciplina legal consta do art.º 77.º, n.º 1, do CPT

A problemática da norma reside no facto de impor ao recorrente o ónus de observar uma formalidade sui generis (sem qualquer paralelo no supletivo regime processual civil comum) – “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”. A contrario sensu, resulta meridianamente claro que as nulidades não podem ser arguidas nas alegações de recurso.
Da violação do preceituado no art.º 77.º, n.º 1, do CPT resulta duas consequências importantes e igualmente graves: a primeira é a impossibilidade de o tribunal a quo conhecer das nulidades da sentença e, assim, ter a possibilidade de corrigir os vícios invocados; a segunda consequência é que essa mesma impossibilidade de conhecimento da arguição estende-se também ao tribunal ad quem. O que, em ambas as situações, significa um duro golpe nas possibilidades de sucesso do patrocínio dos interesses da parte.
A verdade é que poucos têm sido os preceitos processuais laborais que, a propósito da sua aplicação prática, tenham gerado tanta polémica junto dos diversos profissionais do foro. E porque este regime especial representa um desvio em relação à tramitação da arguição das nulidades da sentença no processo civil comum, muito são os casos em que alguns operadores judiciários desconhecem esta especificidade, legitimada pela natureza especial e autónoma do Processo do Trabalho e fundamentada na celeridade e economia processual. Na prática, a sua aplicação pode representar uma autêntica armadilha processual para o advogado menos rodado nas lides da disciplina do trabalho, e esse argumento critico tem relevância, se outras razões não houvessem, para a ponderação de iure condendo. Todavia, nada disso enfraquece a obrigação deontológica e ética de o advogado recusar patrocínios para os quais não tenha preparação técnica[1]. E, convenhamos, a norma é tortuosa mas o jurista não pode ignorar a existência de um caderno de encargos quando aceita mover-se no interior de um ramo de direito processual especial face ao tronco comum. Este preceito é também uma manifestação da particularidade deste processo[2].
No entanto, como melhor exploraremos adiante, parece-nos que o legislador esclarecido tem obrigação de adoptar soluções que não exponham os destinatários da justiça a situações que, de antemão, sabe-se que, desnecessariamente, majoram o risco do patrocínio.


O regime actual da arguição das nulidades da sentença laboral, constante do art.º 77.º, do CPT, resultou de uma intervenção do legislador em 1999. A intervenção legislativa no texto da norma estabeleceu com inequivocidade o modo como o recorrente deverá arguir as nulidades da sentença. No fundo, clarificou a redacção original da norma do pretérito art.º 72.º, do CPT de 1981. Também, parece não subsistirem grandes dúvidas em relação às intenções que moveram o legislador a aperfeiçoar o texto original do art.º 72.º, n.º 1, do CPT1981 para aquele que ainda hoje se mantém como o texto da norma em vigor.  Parece evidente que o terá feito com o fito de sincronizá-lo com a interpretação normativa do preceito sufragada pela corrente jurisprudencial dominante, mormente a do STJ[3].
O regime legal da arguição de nulidades da sentença em processo do trabalho consta do art.º 77.º, n.º 1, do CPT. As situações que configuram vício de tão grande monta vêm elencadas no art.º 668.º, do CPC. Deste modo, a arguição de nulidades da sentença é um sub-regime do da interposição dos recursos e, além disso, tem subjacente uma necessária dinâmica de articulação entre a lei processual especial que é a do Código de Processo do Trabalho, com a lei processual comum, constante do Código de Processo Civil.

O referido preceito legal estabelece que “A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.  
Significa que o recorrente no processo laboral terá de, previamente, identificar quais são as nulidades que enfermam a decisão judicial, seja ela de primeira instância ou das Relações (ex vi das disposições conjugadas do art.º 1.º, n.º 2, al. a), do CPT e art.º 716.º, n.º 1, do CPC ).
De seguida, tê-las-á que arguir na peça processual requerimento de interposição do recurso[4] de modo expresso e em separado, apresentando aí as suas alegações e as respectivas conclusões quanto àquela matéria[4].



 

(CONTINUA)
 


[1] Cf. Art.º 93.º, n.º 2, do do Estatuto da Ordem dos Advogados: “O advogado não deve aceitar o patrocínio de uma questão se souber, ou dever saber, que não tem competência ou disponibilidade para dela se ocupar prontamente, a menos que actue conjuntamente com outro advogado com competência e disponibilidade para o efeito.”

[2] vide Ac. TC 266/93, de 30 de Março de 1993, Proc. 63/92, relatado pelo Conselheiro Ribeiro Mendes, disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19930266.html, explicou que “é evidente que essa especialidade [do regime do direito processual laboral, face ao civil] não coarcta ou elimina, ou sequer dificulta de modo particularmente oneroso, o direito ao recurso que o CPT reconhece, não violando o art. 20º, nº 2, da Constituição, pois que, se o recorrente cumprir a obrigação que a lei lhe impõe de fazer a sua alegação de recurso no requerimento de interposição, o processo seguirá os seus termos".

[3] “… Como é sabido, constitui entendimento corrente e pacífico deste Supremo Tribunal de Justiça - que veio a obter expressa consagração legislativa no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1999 ("a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso") - o de que o artigo 72.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho de 1981 impõe que a arguição das nulidades da sentença (ou dos acórdãos dos Tribunais da Relação, já que se considera que aquele preceito é aplicável também ao recurso de revista) seja feita no requerimento de interposição de recurso, mesmo quando a este se siga a alegação …”, Ac. STJ, de 05-06-2002, Proc. 02S1563, relatado pelo Conselheiro Mário Torres, in www.dgsi.pt/jstj
[4] O requerimento de recurso é dirigido ao juiz a quo (juiz de direito ou juiz desembargador)

[5] Relativamente ao dever de concretizar e de motivar a arguição da nulidade no requerimento de interposição do recurso, entre outros, o Ac. STJ de 25-11-2010, Proc. 1264/08.7TTPRT.P1.S1, relatado pelo Conselheiro Sousa Peixoto, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj - “...O recorrente não concretizou a nulidade de que o acórdão padecia e muito menos a motivou. Tal só veio a ser feito no corpo das alegações, o que torna a arguição da nulidade intempestiva e obsta a que dela se conheça, conforme reiteradamente tem sido afirmado por este tribunal.



 Nota: texto protegido por direitos de autor. Eventuais citações de acordo com a norma académica comum.

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