sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Prática do Direito - Como vão decidindo os tribunais superiores (2)


Os crimes da funcionária que inseria dados na Aplicação Nacional de Rendimento Social de Inserção

[Jurisprudência do Tribunal da Relação de Coimbra – Acórdão de 26-01-2011, Proc. 370/06.7TACBR.C1, in www.dgsi.pt/jtrl.]


 “durante o ano de 2005, a arguida M... decidiu servir-se do perfil informático de utilizador que lhe estava atribuído e dos poderes que o mesmo permitia no âmbito da instrução e decisão de processos de RSI, para inserir e modificar dados na Aplicação Informática Nacional de Rendimento Social de Inserção (RSI), por forma a serem processadas e pagas prestações de Rendimento Social de Inserção (RSI) e seus complementos aos arguidos ME…, DJ…, BM…, AP…, NA…, JP…, sem se encontrarem nas condições de que a lei fazia depender a atribuição de tais prestações.


A arguida foi condenada na prática de um crime de burla tributária, p. e p. pelo artigo 87.º, n.º 1 e n.º 2, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, na forma continuada.

“A Burla tributária é um novo tipo de crime criado em 2001 e encontra-se previsto, como já sabemos, no art. 87.º da Lei 15/2001, de 05-06-2001 [diploma que sofreu várias alterações ao longo dos anos: Declaração de Rectificação n.º 15/2001, in DR, Série I-A, n.º 180, de 04-08-2001, Lei 109-B/2001, de 27-12-2001 (art. 51.º), DL 229/2002, de 31-10 (art. 3.º), Lei 107-B/2003, de 31-12 (art. 45.º), Lei 55-B/2004, de 30-12 (art. 42.º), Lei 39-A/2005, de 29-07 (art. 19.º), Lei 60-A/2005, de 30-12 (art. 60.º), Lei 53-A/2006, de 29-12 (arts. 95.º e 96.º), Lei 22-A/2007, de 29-06 (arts. 8.º e 9.º), DL 307-A/2007, de 31-08 (art. 3.º), Lei 67-A/2007, DR I-A, Suplemento, de 31-12-2007 (arts. 86.º e 87.º), e Lei 64-A/2008, DR I-A, Suplemento, de 31-12-2008 (arts. 113.º, 114.º e 115.º)]. Tendo em consideração que o diploma em causa (RGIT), como resulta do seu art. 14.º, entrou em vigor em 05-07-2001, o anterior RJIFNA, revogado pela Lei 15/2001 (à excepção do seu art. 58.º), não continha sequer disposição paralela ao art. 87.º do RGIT, não se prevendo então a incriminação por burla tributária.”

Cabia ao Tribunal da Relação de Coimbra decidir se a arguida, além de ter sido condenada pela prática de um crime de burla tributária, deveria ser, também, condenada pela prática de um crime de falsidade informática, em concurso real, uma vez que o preenchimento do tipo de burla tributária foi alcançado através da prática de actos executórios que se subsumem ao tipo de crime de falsidade informática.

Lei da Criminalidade Informática (Lei n.º 109/91, de 17 de Agosto)
Art.º 4.º
1 – Quem, com intenção de provocar engano nas relações jurídicas, introduzir, modificar, apagar ou suprimir dados ou programas informáticos ou, por qualquer outra forma, interferir num tratamento informático de dados, quando esses dados ou programas sejam susceptíveis de servirem como meio de prova, de tal modo que a sua visualização produza os mesmos efeitos de um documento falsificado, ou, bem assim, os utilize para os fins descritos, será punido com pena de prisão até cinco anos ou multa de 120 a 600 dias.
2 – Nas mesmas penas incorre quem use documento produzido a partir de dados ou programas informatizados que foram objecto dos actos referidos no número anterior, actuando com intenção de causar prejuízo a outrem ou de obter um benefício ilegítimo, para si ou para terceiros.
3 – Se os factos referidos nos números anteriores forem praticados por funcionário no exercício das suas funções, a pena é de prisão de um a cinco anos.

Para que a arguida fosse punida em concurso real pela prática dos referidos dois crimes, importaria que o Tribunal da Relação de Coimbra analisasse e decidisse se, no vertente caso, estavam reunidos os pressupostos de autonomização dos actos executórios do crime de burla tributária que preencheram o tipo de crime de falsidade informática.

Vejamos, sumariamente, como o fez:É necessário ter presente que, justamente, sendo o crime de falsidade informática punível com uma pena de prisão de 1 a 5 anos, esta é mais grave do que a pena aplicável ao crime de burla tributária que é de prisão até 5 anos ou multa até 600 dias, o que só pode conduzir a afastar a não punição do referido primeiro crime, segundo as regras e critérios do concurso de infracções.
Não temos dúvidas de que a falsidade informática é, no caso presente, um crime-meio para concretizar a burla tributária, enquanto crime-fim. Apesar disso, sopesando as duas gravidades em causa (molduras penais), constatamos que a do crime-meio é, até, ligeiramente superior, ou seja, não pode, de forma alguma, ser considerada despicienda, reclamando, assim, a sua autonomização.
A lei ora em causa significa que o legislador optou por prever e punir em legislação avulsa os crimes ligados à informática. (…) O legislador, não obstante conhecer a Lei da Criminalidade Informática, optou, no artigo 87.º, n.º 1 e n.º 2, do RGIT, por uma moldura penal abaixo da já existente no respectivo artigo 4.º, o que demonstra que não quis criar uma sobreposição das duas normas, sendo certo que há bens jurídicos diferentes em causa. Deve, portanto, a arguida ser condenada, também, pela prática do crime de falsidade informática.


SUMÁRIO DO ACÓRDÃO (publicado no ITIJ-MJ)

1. O crime de burla tributária, está estruturado como um crime de resultado, aparecendo como um verdadeiro tipo de burla especial, em que o processo típico é de execução vinculada (e não livre), mas, simultaneamente, estabelece elementos integradores mais formais.
2. São elementos constitutivos deste crime de burla tributária - Uso de erro ou engano sobre os factos, provocado por meios fraudulentos, como falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante;
- Que sejam aptos ou idóneos a determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.
3- Na configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente.
4- Só faz sentido que um crime-fim possa consumir um crime-meio, quando haja uma desproporção tal entre um e outro que permita concluir ser dispensável a punição autónoma deste último.

Para melhor consulta vide Acórdão

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