quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011


Responsabilidade solidária dos gerentes, administradores e directores pela aplicação da coima prevista no art.º 12.º, n.º 4, do Código do Trabalho

Venho hoje alertar para as consequências da aplicação da presunção de laboralidade contida no artigo 12.º, do Código do Trabalho e, em particular, para a extensão da responsabilidade do empregador pelo pagamento da coima resultante da aplicação do n.º 4  daquele preceito legal.
Vejamos a redacção do art.º 12.º, do Código de Trabalho, dada pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro:

 
Artigo 12.º - Presunção de contrato de trabalho
 1 — Presume -se a existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características:
a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade;
c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
2 — Constitui contra-ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características de contrato de trabalho, que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao Estado.
3 — Em caso de reincidência, é aplicada a sanção acessória de privação do direito a subsídio ou benefício outorgado por entidade ou serviço público, por período até dois anos.
4Pelo pagamento da coima, são solidariamente responsáveis o empregador, as sociedades que com este se encontrem em relações de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, bem como o gerente, administrador ou director, nas condições a que se referem o artigo 334.º e o n.º 2 do artigo 335.º

A aplicação ao empregador da coima por contra-ordenação muito grave a que se refere os números 3 e 4, sucede nas situações em que a empresa tem alguém a prestar para ela uma actividade, de modo aparentemente autónomo, em condições características de contrato de trabalho.

E como o legislador resolveu a questão de saber em que situações se deve qualificar um negócio jurídico como contrato de trabalho?

Através do método indiciário, segundo o qual, verificando-se algumas das circunstâncias (indícios) elencadas nas alíneas do n.º 1, do art.º 12.º, do CT2009, independentemente do nomen iuris que as partes (empregador e trabalhador) lhe quiseram dar, presume-se que se trata de um contrato de trabalho. Como ensina a Profª. Palma Ramalho, "(...) para aferir da existência de um estado de subordinação do trabalhador, que suporte a qualificação laboral do negócio jurídico, tanto a doutrina como a jurisprudência desenvolveram um método tipológico de qualificação, que passa pela identificação de factores susceptíveis de revelar aquele estado de subordinação: são os denominados indícios de subordinação jurídica." - Palma Ramalho, Maria do Rosário, Direito do Trabalho, Parte II - Situações laborais Individuais, Almedina, 3.ª Ed., pag. 40.

De um modo mais simples, dir-se-á que esta norma pretende evitar que as partes - entenda-se o empregador - se furtem à tutela especial do direito do trabalho, o que, como é conhecido sucede comummente nos chamados casos dos falsos trabalhadores independentes ou trabalhadores a recibos verdes.
Na verdade, apesar de as partes terem denominado esse contrato como uma prestação de serviços, se se verificarem algumas das características indiciárias enumeradas nas alíneas do número 1 do citado artigo, a lei desconsidera  a estipulação das partes e presume que se trata de um contrato de trabalho e, consequentemente, a Empregadora que deu azo a essa situação encapotada, fica constituída em responsabilidade contra-ordenacional e, como tal, responderá pela coima da mais pesada das contra-ordenações laborais (contra-ordenação muito grave - art.º 554.º, n.º 4, do CT).



Quem responde solidariamente pelo pagamento da coima?

1.º Grupo de responsáveis solidários:
  • Sociedades que com ele se encontrem em relações de participação recíproca;
  • Sociedades que com ele se encontrem em relações de domínio;
  • Sociedades que com ele se encontrem em relações de grupo;



 2.º Grupo de responsáveis solidários:
  • Gerente;
  • Administrador;
  • Director

Os pressupostos de aplicação do regime de responsabilidade solidária pelo pagamento da coima aos gerentes, administradores e directores, são definidos pelos artigos 78.º e 79.º, do Código das Sociedades Comerciais.  Isto é, quando se verificarem cumulativamente estes dois pressupostos:

1. Actuação culposa dos gerentes, administradores ou directores na génese da responsabilidade contra-ordenacional a que se refere o art.º 12.º, n.º 2, do CT
2. Insuficiência do património social para satisfazer o crédito do Estado.

 
Consagra-se a responsabilidade solidária de quem tem a "direcção efectiva" da empresa. Trata-se, na prática, de responsabilizar pessoalmente os gestores da empregadora pela implementação de uma estratégia de contratação à margem da lei laboral. Representa uma excepção ao princípio da limitação da responsabilidade nas mais paradigmáticas sociedades comerciais: a sociedade por quotas e a sociedade anónima.

Bem se sabe que muitos dos contratos de trabalho encapotados e que, como se viu, dão origem à referida responsabilidade contra-ordenacional, são consequência de um deficiente ou inexistente aconselhamento jurídico numa área tão específica, grave e sensível como é a área jus-laboral.


Importa ainda deixar uma nota crítica relativamente à opção legislativa. 

Seria de esperar que uma norma do Código do Trabalho que consagra uma responsabilidade excepcional, que ignora a regra da limitação da responsabilidade  das sociedades comerciais, apenas o fizesse por  necessidade de protecção do trabalhador -  por regra, elemento mais frágil na relação jurídica laboral.
Como se constatou, não foi nada disso que moveu o legislador. O que moveu o legislador laboral foi o reforço de garantia de pagamento de uma receita do Estado Português -  a coima.

(continua)
Emanuel Esteves da Mota, Direitos Reservados

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